segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Homenagem - O "Pai" dos Curiosos

Nestes tempos mortos em que os Curiosos não estão em actividade, escrevo este post para homenagear a pessoa sem a qual muito provavelmente nós não existiriamos como pescadores desportivos: o meu falecido pai, vítima de cancro aos 42 anos (teria hoje 49).

Tudo começou quando mesmo antes de casar com a minha mãe. Os meus avós tinham uma casa perto do Rogil, a 1 km do mar e junto ao Medo. A primeira vez que o meu pai lá foi de férias, imediatamente se apaixonou pelo "paraíso" que a Costa Vicentina representou para ele. Desde esse tempo, não houve Verão em que as férias não fossem ali. Entretanto nasci eu, e como me lembro bem das férias maravilhosas passadas naquela casinha pequena, sem luz, casas de banho, de tomar banho com água do poço, da figueira, do meu baloiço, de ir comer camarinhas ao Medo... isso acabou quando eu tinha cerca de 10 anos, por a casa estar em evidente degradação e não haver dinheiro para reparação. Hoje em dia a casa está arranjada e é propriedade de primos nossos, o que nos permite ainda ir matar umas saudades de vez em quando.

A nossa "casinha velha" como eu lhe chamava, antes das reparações.

Além da casinha, eu adorava a minha praia, e o meu passatempo foi desde muito cedo andar com um balde e um camaroeiro a apanhar camarões, cabozes, caranguejos, pequenos polvos... mas sempre tudo devolvido vivo à água depois de ir mostrar à minha mãe o que tinha apanhado. Era o que eu já gostava na altura: andar nas rochas, nas poças e observar o mar e a natureza.


Nas praias quase desertas, aprendi a amar e observar o mar, assim como o que nos oferecia.
Mesmo depois de a casa ter ficado com os nosso primos, não deixámos de ir ao Rogil quando podíamos. Até que no Verão de 2001, quando eu tinha 11 anos, o meu pai decidiu comprar duas canas de pesca, uma para ele e outra para mim. E foi à aventura sem nada saber, sem ninguém para lhe ensinar. Eu ainda fiquei mais uns 2 anos nas "poçinhas" antes de passar à pesca mais propriamente dita, mas o meu pai lá tentava sozinho.



Eu e o meu pai, nas primeiras "pescarias".

Quando eu tinha cerca de 13 anos comecei a acompanhar o meu pai na pesca em vez de ficar a dar "apoio moral". Lembro-me perfeitamente de ficar radiante com uma pescaria de 3 bogas, ou de uma safiazeca, mas felizmente rapidamente começámos a apanhar alguns peixinhos melhores, principalmente safias e ás vezes umas sarguetas. E foi aí que o meu tio, o outro dos Curiosos, entrou. Abandonou o seu desporto favorito (dormir na praia) e juntou-se a mim e ao meu pai nas pescarias.

Nós os dois depois de uma pescaria, lá ao fundo.
O resultado da pescaria, já corriam um pouco melhor que no início!

Em 2004, tinha eu 14 anos, foi diagnosticado cancro do estômago ao meu pai, e foi operado de urgência onde lhe foi completamente retirado. Deram-lhe no máximo 6 meses de vida... Mas isso não o fez baixar os braços. Mesmo com tratamentos muito severos de quimioterapia, a vontade de viver era tanta que continuava a ir à pesca e a fazer tudo o que mais gostava. E sempre a descer e subir nas falésias e pedras da Costa Vicentina. O meu pai, com esta força, conseguiu viver mais 2 anos. Dois anos onde ainda conseguimos fazer algumas boas pescarias e passar bons momentos. Mas havia algo que faltava ao meu pai, o seu grande sonho de pesca. Apanhar um robalo. Comprou uma cana para corricar, e dedicou-se, com as enormes limitações que já tinha. Até que em Setembro de 2006, na sua última pescaria, conseguiu apanhar uma bela baila. Um mês antes de falecer, literalmente de fome pois já nada conseguia ingerir. Nunca irei esquecer esse momento nem que viva 1000 anos. A fotografia da baila está exposta na nossa casa "nova" no Rogil, não a tenho aqui. Não foi um robalo a sério, mas para ele e para mim significou isso mesmo. Foi um robalo com pintas.

Quando apanhei o meu primeiro robalo, um ano mais tarde, com 4,3 kg, foi como se tivesse sido ele a apanhar. Naquela meia-hora que estive para por o peixe em seco, com linha 0,28 mm e anzol nº 4 (??), foi a força do meu pai que me permitiu aguentar e ter a paciência e sorte necessária para completar finalmente e de forma inequívoca o seu principal desejo.


Soube um dia mais tarde, pela minha mãe, que antes de falecer o meu pai disse-lhe que estava contente por me deixar todo o material de pesca necessário para fazer vários tipos de pesca. Ele sabia que eu ia continuar a pescar. Hoje ainda me lembro muitas vezes dele quando estou na pesca, é sem dúvida uma fonte de inspiração para mim. Não pude deixar de lhe fazer aqui esta homenagem, em sua memória, para que nunca seja esquecida! Obrigado Pai!



14 comentários:

  1. Boas Jorge,
    Parabéns pela Homenagem que fazes ao teu Pai!
    Infelizmente a vida tem destas coisas e só tu e tua família sabe, os momentos maus por que passaram.
    Mas acho fantástico, a maneira como encaras a situação e com certeza que cada vez que vais à faina, sentes um enorme Orgulho em usar o material do teu Pai e de saberes que foi ele que te meteu o bichinho da pesca! :)
    Desejo que possas vir a ter muitas Alegrias junto do Mar e na vida, de forma que o teu pai fique Orgulhoso, esteja onde ele estiver!

    Forte Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado Manuel. É verdade que foi muito difícil, mas a vida continua e certamente que o meu pai não me quereria ver em baixo. E esta foi a primeira vez que partilhei de forma mais aberta a pessoa que foi o meu pai, foi um momento bastante emocial enquanto escrevia isto, enquanto fazia scan a fotos antigas, mas ao mesmo tempo senti-me aliviado e contente por dar a conhecer, por fazer perdurar a memória porque sem dúvida que ele merece!

      Um abraço

      Eliminar
  2. Realmente ele é mesmo o Fundador dos CURIOSOS.
    A sua força e alegria de viver era fantástica. Vi em muitas ocasiões o quanto lhe era penoso fazer certas coisas, E nos últimos tempos de vida, muitas das vezes ia á pesca mais pelo filho.
    Procurou viver o máximo até ser chamado,,,,
    Realmente era uma pessoa fantástica na sua maneira de ser.
    Eu ainda hoje o "vejo", na pessoa do seu filho. Têm enormes semelhanças.
    E além das memorias que deixou em todos, ele está em paz e orgulhoso do seu grande legado nesta vida: Jorge Ponte.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É tudo verdade, impressionante o que o meu pai conseguiu fazer nos últimos 2 anos de vida, só mesmo com uma força de vontade enorme.

      Obrigado Tio

      Eliminar
  3. Ora ai está uma merecida homenagem ao teu Pai, é também uma maneira de relembrares as férias passadas em família numa zona muito bonita e de uma beleza natural magnifica.
    Certamente ele teria muito orgulho por ver que dás bom uso ao material que ele te deixou, é uma pena que não possas partilhar estes momentos juntos, pois eu sei bem o sentimento que ele teria, eu ainda pesco na companhia do meu velhote(já lá vão 26 anos) e por vezes passa-me pela cabeça que no futuro o possa perder, espero que só daqui a uns bons anos, mas é bom mentalizar-me que esse dia vai chegar.
    Um abraço e força ai nessas fainas

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Por mais que uma pessoa se mentalize, no momento é sempre um choque. Mas não podemos viver com medo e em função disso. Aproveita ao máximo e desejo-vos muitas boas pescarias juntos ;-)

      Eliminar
  4. Muito comovente.
    Muito bem feita esta homenagem ao teu pai,parabens.
    Abraço
    Jorge borralho

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado! Ele merece-a, é o máximo que posso fazer por ele agora.

      Outro abraço

      Eliminar
  5. Muito bom, mesmo! Que o teu Pai continue a servir-te de inspiração e te dê força para a vida e para a pesca.

    Saúde, da boa! ; ))

    ResponderEliminar
  6. Um gesto formidável e enaltecedor, esta tua postagem. Que o teu pai seja e represente para sempre uma forte inspiração nos momentos em que mais precisares na tua vida, seja pesca ou outra qualquer. Abraço Jorge

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado a ambos os Marafados, Paulo e Nuno. O seu exemplo é sem dúvida uma forte inspiração, não só para mim como para muita gente!

      Abraço e força aí nessas pescarias, só peço que deixem alguns para quando aí for! ;-)

      Eliminar
  7. Jorge ao ler esta dedicatória, tanto eu como a Manela ficamos bastante emocionados por isso te telefonei logo de seguida, e isto porquê? Tinhas os teus 3- 4, anos lá andavas tu com teu camaroeiro a apanhar os teus peixes e a mostrar á tua mãe, no pego do CARRAPATO, claro que o teu pai não te deixava ir para muito mais longe, e fui assistindo ao teu natural crescimento, ao ponto de irmos os dois á pesca, como foi no passado mês de Setembro, e todo este meu comentário,é para te dizer que tenho um orgulho enorme de te ter visto crescer, tiraste o curso que mais gostavas e que tem a ver com a natureza e claro com o mar, desejo-te tudo de bom, e claro boas pescarias, de preferência comigo claro.
    Onde quer que o teu PAI esteja, de certeza que estará muito orgulhoso de ti.
    Cumprimentos: do Fernando e da Manela

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado pelo vosso comentário! O Fernando também fez parte do meu "crescimento pescatório", bem me lembro de ir atrás ver como se apanhavam os polvos com o puxeiro, assim como das conversas sobre pesca e mesmo pescarias onde aprendi bastante.

      Um abraço

      Eliminar
  8. Grande post. Grande homenagem. Abraço e tudo a correr pelo melhor

    ResponderEliminar